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Que medo!

O sucesso dos filmes de terror e suspense mostram que o escurinho

do cinema ainda é o melhor lugar para se sentir medo

Uma jovem toma tranquilamente seu banho quando um vulto surge por de trás das cortinas e... a plateia do cinema grita assustada enquanto Norman Bates faz mais uma vítima. Qual ser humano não sentiu calafrios com a famosa cena do chuveiro em Psicose, do mestre do suspense Alfred Hitchcock?

Muitos não sabem explicar se foi a combinação da montagem ágil com a música angustiante de Bernard Herrmann, composta somente para instrumentos de corda, cujos acordes imitam os jatos de adrenalina no sangue, que tornou a sequencia emblemática na história da sétima arte, mas todos têm a certeza, ainda que inconsciente, de que a cena mexe conosco por acontecer num banheiro, que é o lugar onde estamos mais vulneráveis, distraídos e, normalmente, sozinhos. Se nem no banheiro estamos seguros, o que fazer? Hitchcock sabia o que estava fazendo.

Por mais covarde que possa ser, o homem sempre se sentiu atraído pela sensação de medo, seja do seu próximo ou mesmo do sobrenatural. O fato é que o desconhecido e todos os perigos que ele possa esconder sempre fascinaram a raça humana. Desde a descoberta do fogo e as primeiras caçadas até os desafios da corrida espacial e da luta contra doenças incuráveis, o medo sempre esteve presente na história da humanidade. Talvez por isso os filmes de terror e de suspense garantam boas bilheterias e sucessos surpreendentes, como vimos recentemente com Corra! e It, a Coisa. A estreia de A Maldição da Casa Winchester, que segue a trilha de sucesso deixada pelas franquias Sobrenatural e Invocação do Mal, mostra que o filão está longe de se esgotar.

A química do medo

O próprio organismo do homem dispõe de mecanismos para lidar com situações de extrema tensão. Cada vez que passamos por momentos de muito stress, um verdadeiro coquetel de substâncias químicas passa a agir em nosso corpo. Primeiro as glândulas suprarrenais se contraem liberando os corticoides, que atuam no fígado quebrando as moléculas de açúcar em glicose para a produção de energia. Das suprarrenais sai também a adrenalina, que uma vez na corrente sanguínea dilata as artérias que irrigam os músculos e aumenta a frequência cardíaca e respiratória, preparando o organismo para o perigo. Por isso sentimos o coração na boca, a garganta seca e suamos frio enquanto torcíamos por Jodie Foster no claustrofóbico O Quarto do Pânico.

No cérebro o movimento também é grande com a liberação da dopamina, um neurotransmissor que agiliza a tomada de decisões. Por fim age a endorfina, que associada a outras substâncias serve como analgésico e proporciona sensação de bem estar. É essa sensação de segurança e alívio que experimentamos quando a tenente Ripley lançou no espaço sideral a rainha alien, no eletrizante Aliens - O Resgate.

Medo real

O cinema, ao longo de sua história, sempre soube explorar a atração humana pelo medo. Quem, estando numa praia, nunca se apavorou com a ideia de ver uma barbatana triangular vindo em sua direção? É o medo do real, que Steven Spielberg trabalhou magistralmente em Tubarão, filme que fez muita gente pensar duas vezes antes de entrar na água.

O que falar então de um filme que mostra uma menina de doze anos, que possuída pelo demônio se masturba com um crucifixo e atinge os padres com um vômito verde? O Exorcista deixou muita gente sem sono quando foi lançado em 1973. E quem pensou estar livre do diabo se enganou, porque ele continuou rondando os cinemas no assustador A Profecia, no intrigante Coração Satânico, no moderno Advogado do Diabo e no arrepiante O Exorcismo de Emily Rose.

Não podemos nos esquecer d o medo causado pelas doenças, que foi magistralmente traduzido para o terror por David Cronenberg em A Mosca, na qual o cientista interpretado por Jeff Goldblum tem seus genes misturados com o inseto do título e vagarosamente se transforma em algo inumano. O filme, aliás, deve ganhar uma refilmagem muito em breve.

Contudo, o que mais nos assusta atualmente, nas telas e fora delas, são os nossos semelhantes. Assaltos, sequestros e assassinatos preenchem a pauta da imprensa. O medo ficou palpável e assustadoramente próximo. Isso pode explicar o sucesso de filmes como O Silêncio dos Inocentes e Seven - Os Sete Crimes Capitais, que dissecaram o lado sombrio e doentio da mente humana. Os assassinos seriais mostrados nesses filmes são seres humanos aparentemente normais, quase patéticos, que poderiam ser até nossos vizinhos sem que nunca suspeitássemos de suas mórbidas atividades. Tempos difíceis esses, nos quais até a aparente segurança das salas de cinema foi abalada, quando, de tempos em tempos surgem notícias de tiroteio e mortes dentro de salas de exibição.

O medo rondou nossos banheiros, nossas praias, nossas noites e agora, nossas vidas. É como bem resume o slogan do filme Cabo do Medo, obra prima de Martin Scorsese, no qual Robert De Niro é o medo, personificado e onipresente: "Tudo que existe nas trevas, existe na luz. Exceto o medo". Será?


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