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Oscar da diversidade? Que assim seja!



É pública e notória a lista de injustiças cometida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood ao longo de sua história. Nestes 90 anos de entregas do Oscar, a hipocrisia tentou lançar sombras sobre racismo, sexismo, xenofobia e outras práticas condenáveis. E, na noite de ontem, como é de costume, a academia pretendeu apagar, ou jogar tudo para baixo do tapete, num só evento. Antes que você pense que este é mais um desses textos politicamente corretos muito em moda ultimamente, leia até o final, pois não se trata disso. Vale lembrar ainda que se trata da minha visão particular sobre o assunto. A discordância, portanto, é sadia.



A questão aqui é que sabemos muito bem como funciona a indústria mais rica do cinema e, principalmente, a mente dos velhinhos da Academia, que ao longo de décadas cometeram indicações e premiações absurdas e, sempre que viam a credibilidade do troféu mais famoso do cinema abalada, davam aquele famoso Oscar de consolação, pelo conjunto da obra, ou premiavam os esquecidos por um trabalho menor. Ennio Morricone foi um desses casos, quando ganhou sua única estatueta dourada pela trilha de Os Oito Odiados que, embora seja boa, está anos luz de distância de obras primas como suas composições para A Missão, Os Intocáveis, Cinema Paradiso e Era uma vez na América.



Mas, falemos um pouco da cerimônia de ontem. Apresentada sem exageros, e pelo segundo ano consecutivo, por Jimmy Kammel (foto acima), a festa, como sempre, teve bons momentos e outros nem tanto. Destaque para as retrospectivas, comemorando os 90 anos do prêmio, que desfilaram pelo telão, muito bem editadas, pontuaram o espetáculo com uma emoção saudosista. Os discursos elevaram o tom de crítica, demonstrando que todos temos uma história para contar. Os números musicais foram energéticos e mantiveram o teor dos agradecimentos.



O palco do Teatro Dolby, em Los Angeles, recebeu um desfile de profissionais de nacionalidades, etnias e gêneros variados. Pode-se dizer que este foi o Oscar da diversidade. Resta torcer que essa guinada não tenha sido apenas mais uma jogada politicamente correta da academia para tentar alinhar sua posição com a chuva de denúncias de assédio sexual contra executivos da indústria e também com as críticas às posições megalomaníacas, xenofóbicas e preconceituosas do presidente Donald Trump.



As premiações refletiram muito dessa postura adotada pela Academia, o que, de certa forma, beneficiou o apenas regular A Forma da Água, que abocanhou quatro Oscar, entre eles o de melhor filme e melhor diretor para Guillermo Del Toro (foto acima). Impecável tecnicamente, tanto que recebeu os prêmios de direção de arte e trilha sonora, excelentes, diga-se de passagem, a produção desliza no roteiro, escrito pelo próprio diretor, e que apresenta personagens interessantes, porém mal desenvolvidos, principalmente no que diz respeito às suas motivações. Neste aspecto, o diretor foi muito mais feliz em O Labirinto do Fauno e A Espinha do Diabo.



Corra!, outro filme muito incensado por público e crítica, mas que também não é tudo isso que falam por aí, foi premiado na categoria roteiro original, justamente, na minha opinião, a parte problemática. A história até começa bem, com um clima estranho e um tanto perturbador, porém, quando o mistério é revelado, a trama descamba para os clichês que estamos cansados de ver em outros e melhores filmes do gênero. As injustiças e incongruências da Academia ao longo dos anos levam a distorções como essa de, por um lado, quebrar barreiras e premiar o primeiro negro, Jordan Peele (foto acima), como roteirista, e por outro, laurear um roteiro no qual, se fossem trocadas as etnias dos personagens principais, poderia ser considerado um dos filmes mais racistas e preconceituosos já feitos. Não critico aqui o destaque à diversidade no momento das premiações, que acredito ser essencial e irreversível. O que condeno é a omissão quase centenária da Academia de participar dessa discussão e a premiação de produções fracas apenas para querer se redimir perante a opinião pública. Antes tarde do que nunca, muitos dirão.



O restante da festa transcorreu sem grandes surpresas, com os obrigatórios troféus entregues a Frances McDormand (foto acima), melhor atriz por Três Anúncios de um Crime, que conclamou a todas as mulheres presentes que ficassem de pé; a Gary Oldman (abaixo), como melhor ator por O Destino de uma Nação; Allison Janney, coadjuvante por Eu, Tonya; e Sam Rockwell, melhor coadjuvante por Três Anúncios de um Crime.



Também foram merecedores das premiações Viva: a Vida é uma Festa, como melhor animação (abaixo); Dunkirk, que venceu melhor montagem, mixagem e edição de som; e Trama Fantasma, melhor figurino.



Blade Runner 2049 deu ao veteraníssimo Roger Deakins (abaixo) o aguardado prêmio de melhor fotografia. Aqui, mais uma vez a Academia reparando derrapadas do passado. Pelo menos o prêmio foi merecido, a fotografia do filme é excepcional. A continuação da ficção científica noir de Ridley Scott recebeu também o Oscar de melhores efeitos visuais, essa, na minha opinião, a maior injustiça da noite. Os efeitos de Blade Runner são ótimos, todavia, o nível de realismo atingido em Planeta dos Macacos: A Guerra é algo de extraordinário.



Como vimos, mesmo numa cerimônia marcada pela diversidade, é impossível agradar a todos e existe sempre alguém deixado de lado. Neste caso, nossos irmãos na cadeia evolutiva dos primatas. Tomara que César possa nos perdoar no futuro.



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