A Forma da Água: um Conto de Fadas para adultos
Imagem: Fox Film
“Impossibilitado de perceber Sua forma, encontro você à minha volta. Sua presença me enche os olhos com Seu amor, acalma meu coração, porque Você está em todos os lugares”.
Talvez seja essa a melhor maneira de se começar a falar sobre um filme tão poético: utilizando-se de sua própria poesia. Apesar de não ser autoral, o trecho de um livro islâmico representa a mesma sensação de plenitude que sentimos ao observar o discorrer do filme sobre a tela. Aquela sensação de torpor, de paralisia, de encantamento com o que estamos observando, o que afinal já é característico dos filmes de Guillhermo Del Toro.
A Forma da Água é um filme de ficção científica. De monstro, como diria seu autor. Mas se por um lado algumas cenas são fortes e chocantes com crueldade, sangue e morte, por um outro tudo o que conseguimos observar é a beleza: ela está presente nas imagens, na música, no diálogo entre os personagens, nas metáforas apresentadas e também no silêncio.
Elisa Esposito (Sally Hawkins, indicada ao Oscar de melhor atriz) é a personagem central da trama, que com toda a sua delicadeza representa muito mais do que a mocinha de um conto de fadas. A personagem que transmite fragilidade também por sua mudez foge ao clichê ao vermos uma mulher independente que se apaixona, faz sexo, fuma e fala palavrão (através da linguagem de sinais, obviamente). É ela que se compadece ao encontrar uma criatura humanóide sendo mantida presa no laboratório onde é faxineira, e passa a tentar se comunicar com "a forma", utilizando ovos cozidos, música e falando em libras.
A construção dos demais personagens também é um acerto do filme, que mostra diferentes personalidades lidando com questões polêmicas. Os diálogos de Giles (Richard Jenkis) o único vizinho de Elisa, com quem tem uma relação fraternal e carinhosa expressam a tristeza de um artista decadente que mal consegue se sustentar com seu talento perdendo espaço para a modernidade, além de ser obrigado a viver sozinho por ter medo de expressar sua sexualidade. Já Zelda (Octavia Spencer) é como se fosse o barulho enquanto Elisa é o silêncio. Divertida, a colega de profissão também sofre o preconceito racial explícito na década de 60, época em que se passa o longa. E temos também o vilão caricato Strickland (Michel Shannon) e o espião russo Dr. Robert Hoffsteler (Michael Stuhlbarg), cada qual responsável por cenas que chocam o espectador com tanto sangue e violência.
Com 13 indicações ao Oscar e colecionando prêmios a cada cerimônia de que participa, A Forma da Água é um filme peculiar, que pode não agradar àqueles que estejam pouco acostumados e assistir filmes tão belos e sensíveis, e talvez se sintam ofendidos ao presenciar o amor entre dois seres diferentes. Mas será que eles são mesmo tão diferentes assim? O que nos faz semelhantes a outras criaturas? A consciência? A inteligência? E o que nos faz diferentes? Uma coisa é certa: A Forma da Água é um conto de fadas para adultos, que acolhe nossas peculiaridades e nos faz sentir abraçados assim que deixamos a sala de cinema.